Transgênicos: quando a ideologia fala mais alto do que a ciência

Um estudo francês que causou furor ao ser publicado em 2012, por concluir que uma variedade de milho transgênico aumentava o risco de câncer em ratos de laboratório, foi retratado pela publicação científica que o veiculou originalmente. No dialeto científico, uma 'retratação' significa que o trabalho é renegado pelo periódico e excluído da literatura especializada: é como se o estudo nunca tivesse existido. Retratações costumam acontecer por iniciativa do periódico, quando se comprova que houve fraude, ou a pedido do próprio autor, quando ele detecta  algum tipo de erro que, mesmo não tendo sido cometido por má-fé, invalida as conclusões. A retratação do trabalho francês, assinado pela equipe de Gilles-Eric Séralini, não se encaixa exatamente em nenhum desses casos: não há prova de fraude, e Séralini insiste que suas conclusões são corretas. A revista responsável, Food and Chemical Toxicology, decidiu pela retratação depois de receber uma bateria críticas ferozes ao estudo. O consenso dos especialistas é de que, mesmo não sendo fruto de fraude ou erro, o trabalho é muito ruim, suas conclusões não têm validade e, em linhas gerais, ele jamais deveria ter sido aceito para publicação. Pode ser difícil entender como um estudo que não é nem 'falso' e nem 'errado' pode ser 'inválido'. Os críticos de Séralini levantam os seguintes problemas: o número de ratos usados foi muito pequeno, ele usou uma espécie de rato que já tem predisposição a desenvolver câncer e não houve uma análise estatística rigorosa do resultado. Ou seja, mesmo que Séralini tenha feito tudo o que disse que fez e tenha reportado os resultados de modo honesto e fidedigno, o experimento simplesmente não tem o fôlego necessário para realmente provar o que ele disse que provou. Como afirma a nota de retratação da revista, 'os resultados apresentados, ainda que não incorretos, são inconclusivos e, portanto, não atingem o limiar de publicação'. A questão dos transgênicos é muito carregada do ponto de vista ideológico. Muita gente tem medo desses produtos, mesmo sem saber exatamente o porquê, e o trabalho de Séralini chegou a ser usado como arma nessa discussão. Mesmo a retratação já está sendo apontada - sem provas - como fruto de alguma conspiração maligna. Tudo gira, no fim, em torno da questão de 'risco'. Afinal, nada é 100% seguro, e é sempre bom lembrar, nestes tempos de adoração irrestrita e acrítica do produto 'natural', que as doenças que mais mataram seres humanos na história tiveram - e têm - como veículo exatamente dos frutos não processados da natureza: carne e vegetais crus, água não-tratada. O jornalista Michael Specter, em seu livro Denialism, lembra que o número de americanos - o povo mais exposto a produtos transgênicos do planeta - que morreu, nos últimos 30 anos, em consequência direta e demonstrável de ter comido alimentos geneticamente modificados corresponde a, precisamente, zero. Por outro lado, 300 pessoas morreram afogadas em suas banheiras, nos EUA, em 2008. Mas ninguém fica com medo de tomar banho por causa disso.

Fonte: Revista Galileu

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